domingo, 25 de abril de 2010

Toda arquitetura é linguagem.

“Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?”

São Paulo, 1 Cor 3, 16

Partir desse pressuposto é algo extremamente interessante, principalmente se pensarmos que também a liturgia tem uma linguagem própria e que ambas,  arquitetura e liturgia, em suas linguagens compartilham muitas vezes dos mesmos caracteres: a linguagem dos símbolos.



Prescindindo de uma análise mais apurada – afinal existe uma ciência que lida em profundidade com essa temática: a semiótica -, o símbolo tem a virtude de nos remeter, a partir de uma realidade dada, à uma realidade mais abrangente, mais profunda.


Ernest Cassirer, o célebre filósofo dizia com razão que a melhor definição para o homem não era a de que ele é um animal racional, mas sim, a definição mais abrangente de que ele é um animal simbólico. De fato, nós conseguimos enxergar nas coisas realidades que os outros animais não vêem.
 
Nesse sentido, quem não se lembra da célebre passagem contida na obra prima de Saint-Exupery, “O Pequeno Príncipe”, na qual a raposa, ao encontrar o principezinho, tem sua vida transformada: a partir daquele encontro, os campos de trigo dourado, que não tinham uma particular importância para ela – a raposa, animal sabidamente carnívoro e na realidade nada afeito aos símbolos! – agora eram a imagem simbólica da presença do amigo.


Aqui no Brasil, algo nessa mesma linha havia intuído já há algum tempo atrás Leonardo Boff: em seu livrinho “Os sacramentos da vida e a vida dos sacramentos” (Ed. Vozes), Boff nos abre novos horizontes sobre a questão simbólica ligada à idéia de sacramento, isto é, de presença real da divindade em meio à história humana, através de símbolos.


De fato, já Santo Agostinho nos ensinava que o sacramento é a forma visível da graça invisível. Essa afirmação tem um sabor muito forte seja para a liturgia, seja para a arquitetura: se, como era costume dizer, em liturgia uma falha grave na forma pode invalidar um sacramento, o que dizer da arquitetura religiosa?



É óbvio que entre o conteúdo e a forma, parece que devemos conceder uma primazia ao conteúdo. Porém, não podemos subestimar as formas: por exemplo, quem consegue se lembrar da homilia que o padre fez por ocasião de sua primeira comunhão? Quase ninguém! Mas, em contrapartida, são muitos aqueles que se lembram da igreja onde fizeram sua primeira comunhão…
Quantas igrejas não apresentam atualmente falhas graves em suas formas as quais muitas vezes nos impedem um espírito de recolhimento para a oração e, ainda pior, não permitem uma celebração litúrgica ativamente participada – como preconizara o Concílio Vaticano II!




A arquitetura é linguagem e, como tal, quando entra no campo do sacro deve falar-nos de Deus. Na Igreja Antiga a arquitetura de uma igreja estava carregada de simbolismo: o presbitério (onde ficam os presbíteros), era visto como o lugar de Deus Pai; a chamada nave, onde ficam os fiéis (que são o corpo de Cristo!) é o lugar de Deus Filho, e a parte exterior, onde fica a massa informe das gentes é o lugar de Deus Espírito (que pairava sobre as águas primordiais, símbolo do caos, da não forma).


De algum modo, a igreja construção deveria dar visão à realidade do Deus Trindade que ‘quer que todos os homens sejam salvos’.



Por outro lado, se há uma certa sacralidade no espaço litúrgico, os mesmos Padres da Igreja sabiam muito bem que não eram as paredes das igrejas que faziam das pessoas bons cristãos; para eles não basta apenas ir à igreja construção para se dizer cristão, mas é necessário ser ‘tijolo’, isto é, ‘membro’ da igreja comunidade, através da aderência da vida à fé e do recebimento da graça do Senhor.


De fato, já São Paulo havia compreendido em plenitude que o templo verdadeiro da Glória de Adonai, não é mais uma construção, mas sim o corpo humano.


Não obstante essa verdade essencial do Apóstolo, necessitamos de espaços que nos ajudem a entrar profundamente no mistério de Cristo – que é o Deus eterno e infinito que se faz tempo e espaço ao assumir um corpo - o qual, ‘morrendo destruiu nossa morte e ressuscitando restaurou nossa vida’.


Projetar uma igreja, ou mesmo reformar um espaço litúrgico, não tem nada de casual: é saber equilibrar forma, função e símbolo sacramental; é dar o passo primordial na evangelização do coração do homem através de uma linguagem acessível e, ao mesmo tempo, misteriosa.

Gabriel Frade

3 comentários:

  1. Realmente, a homilia da minha primeira comunhão eu não me lembro...mas a capela nunca esquecerei!

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  2. Gostei do artigo, embora Boff por não ser católico não seria uma boa influência, exemplo ou citação...

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  3. Caríssimo José: também Tertuliano ao final de sua vida não foi muito "católico", mas nem por isso ele deixa de ser citado ainda hoje pelas maiores autoridades da Igreja. Certamente não o é pelas suas heresias, aquelas do final de sua vida, mas pelo conjunto de sua obra. Creio que do mesmo modo também Leonardo Boff merece igualmente nosso respeito.
    Se em algum momento houve um distanciamento por parte dele da Igreja, nem por isso sua obra anterior se faz menor.
    De qualquer modo obrigado pelo comentário.

    Gabriel

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