domingo, 11 de abril de 2010

O Espaço Liturgico -Algumas Reflexões

Algumas reflexões sobre o Espaço Litúrgico
por Gabriel Frade
Abril 2010
“Pois nele [Deus] vivemos, nos movemos e existimos...” At 17, 28.






Tal qual compêndio de toda a revelação bíblica, os antigos formulários de profissão da fé começam com a grande afirmação da crença em um Deus “Pai, Todo-Poderoso, criador do céu e da terra”.



Exatamente como nos é apresentado no relato das origens: Deus, que é Trindade Santa (“Façamos o homem...”), que é espírito eterno e infinito que enche o universo e que paira sobre as águas primordiais, cria o tempo (“No princípio...”) e o espaço (“criou o céu e a terra”. cf. Gn 1, 1s).


A partir desse ato criador essas duas realidades fundamentais carregam consigo as marcas indeléveis das digitais de seu criador. São marcas que nos mostram a ação do Artista primordial, verdadeiros sinais sacramentais que nos “re-velam” uma presença do transcendente: é justamente por isso que podemos falar de um tempo, e de um espaço litúrgicos.


Por outro lado, para Deus, ser “arquiteto” sábio do espaço incomensurável (cf. Pr 8, 22ss) não fora o bastante: misteriosamente ele próprio se humilha ligando-se às suas criaturas, pois ao adentrar no mundo, ele ultrapassa todos os limites e entra em cheio na história humana (cf. Gal. 4,4). Ao assumir um corpo humano, ele próprio se faz “tempo” e “espaço”: vive com os homens, planta aí sua tenda (cf. Jo 1, 1s). Eis aí um grande mistério!


Vivendo em meio aos homens, ele se fez em tudo igual aos seus: santificando com sua presença silenciosa os espaços por onde passava, ele vive e trabalha como homem do povo. De fato, no Evangelho de Marcos, Cristo exerce a profissão humilde de “carpinteiro” (cf. Mc 6, 3).


Sabemos que no texto original, escrito em língua grega, a palavra usada pelo evangelista é “TEKTON”. Essa expressão, mais do que carpinteiro, nos fornece outras pistas: ela pode indicar uma realidade mais ampla, pode se referir também ao pedreiro, ao construtor de casas. De modo que nos é lícito pensar em Jesus como o “Arqui-tecto(n)” – arquiteto! - por excelência.


Talvez por isso Jesus tenha demonstrado um particular interesse pela construção do Templo: “Destruí vós este templo, e eu o reerguerei em três dias” (Jo 2, 19).


Além disso, ele, o Cristo, cumpre as profecias antigas, tornando “realidade” – ou, como diria São Paulo, “corpo” (cf. Col 2, 17) – aquilo que era apenas “sombra” no Antigo Testamento: “A pedra rejeitada pelos construtores, tornou-se a pedra angular (Sl 117,22)”. “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem” (Sl 127,1).


Ele realizou em seu próprio corpo a tão esperada profecia de uma Nova Aliança (cf. Jr 31, 31) e inaugurou um novo e definitivo culto, onde ele é ao mesmo tempo o único e verdadeiro sumo-sacerdote/vítima.


Este novo culto realizado por Jesus de uma vez por todas é agora atualizado no tempo e no espaço da humanidade por sacerdotes novos (cf. Ap 1, 6; 5, 10) e tem lugar no verdadeiro Templo da Glória de Deus, que não mais é uma construção de pedras, mas sim – como diria Santo Irineu –, o próprio homem vivente (cf. 1Cor 3, 16; 6, 19).


Para se descrever a reunião desse povo sacerdotal, dessa realidade cultual nova, a palavra empregada é “Ekklesia” – assembléia convocada, em grego. Dessa expressão surgem as nossas palavras em português “eclesial”, “eclesiástico”, “igreja”, etc.


Dessa forma, o sentido mais original da palavra “igreja” refere-se em primeiro lugar à comunidade reunida em torno de seu Senhor Ressuscitado. Só mais tarde essa palavra começará a ser empregada para designar o local onde a igreja, isto é, a comunidade, se reunia.


É esse o sentido com o qual São Paulo emprega o termo no final da carta aos Romanos: “Saúda-vos Gaio que hospeda a mim e à toda a igreja [isto é, a comunidade]”. (Rm 16, 23).


Portanto, São Paulo apenas confirma aquilo que já nos fora informado pelos Atos dos Apóstolos (cf. At 2, 46): o primeiro local de reunião da comunidade cristã é uma casa.


Ao contrário dos templos pagãos, que eram percebidos como a morada misteriosa dos deuses, a igreja cristã é a casa da comunidade (a chamada Domus Ecclesiae) onde o Deus verdadeiro habita. Desse modo, desde sempre, a construção igreja é apenas o sinal da verdadeira Igreja, mistério de comunhão, Povo de Deus convocado.


Como tal, toda igreja (entendida como construção) deveria explicitar através de sua arquitetura e de sua arte essa realidade mais profunda: a realidade de uma liturgia feita com a própria vida, onde o verdadeiro culto é feito em "espírito e verdade" (cf. Jo 4, 24).






Gabriel Frade

 
Sinagoga em Dura Europos decorada com pinturas figurativas

Detalhe de uma das pinturas da sinagoga

Hipótese do que seria o templo de Herodes

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