Olá Caros,acabei de traduzir este artigo do Avvenire, jornal católico romano.
Abraços
“Penso em Israel, no tempo dos profetas: o povo é depositário e guardião da tradição... mas por vezes também se deixa ofuscar por ídolos sedutores, por quimeras fáceis...”. André Dall’Asta, jesuíta, diretor da Galeria San Fedele de Milão, refletindo sobre a relação entre comitente (aquele que faz a encomenda da obra, n.d.t) e artista. Pois diante do vazio deixado pelo desaparecimento de horizontes comuns e no desconcerto de uma estética que atravessou o território da dessacralização, cada vez mais e de mais lugares se pergunta onde esteja o fio condutor para encontrar uma orientação; diante disso, vai ficando cada vez mais clara a idéia de que é fundamental o projeto, isto é, a relação que se estabelece entre quem encomenda a obra (artística ou arquitetônica) e quem executal tal obra.
De que modo possa ser melhor gerenciado o projeto hoje? O comitente deve ser, como no passado, o padre ou é melhor que envolva mais sujeitos, e em certos casos, comunidades inteiras? O estado de repulsa que se registrou recentemente diante de obras importantes, como algumas igrejas novas, foi devido à carências culturais de fiéis incapazes de compreender a linguagem atual na qual se exprime o gênio criativo, à incapacidade interpretativa dos projetistas ou dos artistas, ou a um projeto frágil?
Dall’Asta aponta o dedo em direção à preparação do comitente: “No passado [o comitente] estava habitado por uma profunda espiritualidade, além de uma grande cultura. Ele tinha uma capacidade de criar uma rede de múltiplos interlocutores: artistas, teólogos, lideranças... Hoje, quando muito, trabalha-se sozinho e sem particulares competências: isto é perceptível através da qualidade ínfima de muitas obras. Creio, além disso, que falte uma reflexão séria sobre a imagem. Muitas vezes a imagem sagrada, ao invés de induzir à reflexão sobre o sentido profundo da vida e sobre a revelação de um Deus que se faz presente na história, está atravessada por um frio esteticismo, por um vácuo e por um estéril pietismo, por figurações banais e repetitivas: por uma dramática ausência de conteúdos. Demasiadas vezes nas manifestações de arte sacra encontramos imagens que vivem fora da história, oferecendo fáceis seguranças”.
Mas o que há de errado na busca de uma segurança? “Creio que seja importante distinguir entre aquilo que é consolatório e aquilo que consola. Consolatório é um pouco como dar um tapinha nas costas enquanto nos viramos para o outro lado, nos limitamos a uma atitude que não ajuda a assumir a responsabilidade ética da própria vida. É fazer-nos viver em um outro mundo, sem pedir ao fiel de encarnar-se realmente ‘neste’ mundo para mudá-lo e transformá-lo. Penso em tantas imagens melosas, adocicadas, sem envolvimento com a vida e com a história. Consoladora é, ao invés, a atitude de quem, movido por um verdadeiro encontro com o outro, volta-se para o mundo com um olhar de misericórdia, para habitá-lo e mudá-lo a partir do lado de dentro. Hoje, parece-me que o comitente não esteja preparado para perceber o significado deste desafio e não consiga interrogar-se sobre o sentido profundo de quanto se deva pedir ao artista: ‘qual experiência espiritual você deseja comunicar? De que modo a imagem me ajuda a viver uma experiência de oração, de relação com Deus e com os outros?’.
Um projeto mais amplo, com mais vozes pode bastar? “Em base aos procedimentos vigentes e às atuais problemáticas, sem dúvida alguma o projeto eclesiástico está representado pelo bispo diocesano ou por um delegado seu – especifica Francesco Buranelli, secretário da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja – mas talvez não seja errado que haja um envolvimento mais amplo de profissionais e de fiéis, de modo a evitar que existam manifestações de insatisfação ou de discordância depois que a obra tenha sido executada. Na história, a relação entre comitente e artista sempre foi direta, imediata, sem, porém, faltarem casos problemáticos. Dentre tantos, lembro-me o caso que diz respeito à intervenção de Caravaggio na Capela Cerasi de Santa Maria del Popolo em Roma: quando morreu o comitente, os herdeiros não aceitaram a obra pelo seu excessivo realismo e o pintor preparou novas telas.
Hoje a situação é diferente: Paulo VI, em seu célebre discurso aos artistas, reconheceu a autonomia expressiva dos artistas em relação ao comitente. O problema se torna mais complexo e articulado para aquilo que diz respeito às obras com finalidade litúrgica, pois será necessário atingir um compartilhar de objetivos baseado sobre um conhecimento profundo das fontes, ainda que respeitando a autonomia expressiva do artista. Comitente e artista devem cumprir um mesmo caminho: pessoalmente experimentei este procedimento quando fui diretor dos Museus Vaticanos, quando coordenei a adaptação da nova entrada. O resultado foi muito positivo; com o artista ou o arquiteto deve se discutir profundamente todos os aspectos da obra, seja no plano técnico, teológico, filológico e estético. Sem evitar o sereno confronto; mesmo a relação entre o papa Júlio II e Miquelângelo conheceu momentos de conflitualidade, mas o êxito foi a Capela Sistina”.
Que seja antes de tudo “a comissão, a fazer a arquitetura” é um fato consolidado, segundo o arquiteto Domenico Bagliani, docente no Politécnico de Turim e há trinta anos membro da Comissão litúrgica da Arquidiocese piemontesa: “Muitas vezes a Igreja e o arquiteto, ou o artista, não falam a mesma língua. É o discurso interrompido entre a Igreja e a cultura moderna que deixou um vazio no qual se inseriram projetos medíocres”, por causas muitas vezes banais: “comitentes nunca molestados pela dúvida chamam os profissionais mais à mão ou porque mais conhecidos, ou porque não questionam e correspondem ao seu próprio gosto e cultura, por vezes modesta”. Ampliar o diálogo com mais sujeitos poderia ajudar? “Depende. Ocorreu-me nos anos 70 a realização (com os colegas Bellezza, Corsico e Roncarolo), graças ao apoio de um pároco sensível e no clima do fermento pós conciliar, uma obra importante na igreja neo barroca de San Giovanni Batista di Savigliano (CN); giramos em 90° a disposição da assembléia, de modo que esta pudesse ficar fisicamente próxima ao altar; colocamos um tabernáculo muito bem desenhado no lugar do velho altar. O pároco teve que se esforçar muito para fazer compreender aos fiéis o significado da obra que, uma vez mudado o pároco, foi descuidada. Vive-se num clima de desânimo, entendamos bem, favorecido também pela atitude dos artistas”.
“Não há dúvida que o projeto de uma nova igreja, para uma comunidade paroquial deva prever um adequado e constante envolvimento da comunidade desde o início, mesmo antes de confiar o encargo do projeto– sustenta o monsenhor Giuseppe Russo, diretor do Serviço nacional para as edificações para o culto da Conferência Episcopal Italiana. Ocorre que se estabeleça um verdadeiro e próprio diálogo entre comunidade, pároco, bispo e especialistas que deverão interagir no projeto: liturgista, arquiteto e artistas. Dessa forma, a escolha do projeto litúrgico e da linha arquitetônica da igreja será o ponto de chegada de um fecundo confronto entre os diferentes componentes envolvidos, no respeito, de um lado das expectativas e das indicações do comitente e do outro da competência, do profissionalismo e da criatividade da equipe de projeto”.
Leonardo Servadio
Fonte: http://www.avvenire.it/Cultura/Liturgia+tra+arte+e+committenza_201004070751323570000.htm
Muito bom, Gabriel! Parabéns.
ResponderExcluirMuito bom, Gabriel! Parabéns.²
ResponderExcluir"Francesco Buranelli, secretário da Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja – mas 'talvez não seja errado' que haja um envolvimento mais amplo de profissionais e de fiéis, de modo a evitar que existam manifestações de insatisfação ou de discordância depois que a obra tenha sido executada"
ResponderExcluir'Talvez não seja errado'? Acho que afirmação do prelado foi infeliz...denota uma visão parcial das coisas...